(R)evolução

20:10


Marcelo Martins pedia mais uma cerveja no bar da esquina de seu condomínio. Analisava atentamente todos ali presentes, desde os velhos bêbados de sempre (que reconhecia das vezes que ia lá procurar seu pai quando pequeno ) até as garotas bonitas. Bem melhores do que as do último feriado, concluía. Era 23 de dezembro, primeiro dia que estava de volta ao condomínio de sua infância para passar os feriados de fim de ano com sua família e Marcelo já não aguentava mais aquele lugar. Ainda bem que fui embora, pensava, ou poderia terminar nesse buraco para sempre. 
O garoto saíra de casa anos atrás, para morar com três amigos que eram muito mais família que sua própria, ou pelo menos os considerava assim. Eram eles que apoiavam e participavam das ideias do garoto, inclusive a decisão de abrir uma loja de fantasias, artigos de mágica e brincadeiras infantis. Parecia sem noção, mas quando as quatro mentes se juntaram, o negócio realmente começou a dar certo. Aparentemente, as crianças simplesmente adoravam pregar peças em suas irmãs mais velhas, como colocar tinta em seu shampoo ou cola nos seus sapatos, e isso levava várias garotas irritadas para a loja. Assim, Marcelo e seus amigos conheciam garotas maravilhosas, como Mariana, que "totalmente não era razão de estar bebendo no primeiro dia do feriado."
Ele queria esquecê-la, precisava esquecê-la. Mas seus inúmeros shots não tinham nada a ver com as palavras da garota sobre como ele não conseguia manter um relacionamento ou como ela não conseguiria ficar com essa personalidade infantil, imatura e irresponsável dele. No momento, ele bebia pensando em como seria uma nova revolução russa ou algo do tipo. Eu poderia começar uma revolução agora, algo contra relacionamentos sérios ou parecido. Quem precisa de mulheres, não é mesmo? ( o álcool afetava suas ideias ). Realmente, o garoto não precisava de mulheres. Pelo menos até uma moça com cabelos longos platinados piscar para ele na outra ponta do balcão. Não era uma necessidade, mas parecia uma ótima ideia ir até lá e usar o charme de seus cabelos castanhos rebeldes e seu braço coberto de tatuagens para conseguir uma noite com a menina platinada.
Marcelo realmente sabia como conquistar uma garota. Seu jeito rebelde sem causa combinava com seu olhar marcante e todos gostavam de ouvir sua história sobre como ele e seus amigos escaparam da polícia pelados após invadirem uma casa gigante e tomarem banho totalmente nus na piscina. Seus lábios eram macios e a garota dos cabelos platinados também achava, já que o beijo só se intensificava a cada segundo. O contato entre os dois só acaba quando um homem grande e marombado o puxa pelos ombros e o arremessa na parede. É assim que Marcelo se lembra que a garota que beijava era Renata, namorada do maior mongol do condomínio, Breno. Ele reconhece o homem de festas que sua prima dava, junto com os outros gigantes estranhos que arranjavam brigas por baseados e batiam em garotos do oitavo ano por esbarrarem com eles no pátio. Merda, ele pensa, acho que escolhi a garota errada.
Obviamente, Breno não está muito satisfeito com as desculpas do moreno e seu punho acerta seu rosto, deixando a sensação de queimação e gosto de sangue na sua boca. E não é como se não estivesse tentando revidar, mas Marcelo é bem menor e mais magro que o grande idiota que o segurava contra a parede. Mais um soco e seus joelhos atingem o chão, com um grande impacto. A dor era forte e o garoto sabia que não tinha a mínima chance, então desiste de qualquer coisa quando está caído no chão. As coisas só pioram quando leva um chute na costela, então Marcelo se encolhe e espera por outro, mas a dor não vem.
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"Você é demente ou o quê?!"
É Larissa quem passa álcool no corte em seu rosto e segura a compressa em sua bochecha, também acalma o moreno enquanto ele olha no espelho e se prende a ideia de que seu nariz está levemente torto. Marcelo não pode fazer nada além de aguentar a bronca de Helena e os cuidados de sua prima mais nova, já que foram elas quem o salvaram de ser espancado até a morte naquele bar, ou pelo menos é o que as garotas dizem. Felizmente, sua memória não havia falhado e Breno realmente era um dos idiotas que andava com sua prima mais velha e a garota de cabelos negros o impediu de quebrar as costelas de seu primo. Marcelo tem a breve memória de ver suas primas entrarem no bar enquanto estava caído no chão, mas não é como se ele pudesse esperar grandes coisas delas, já que não se falavam há anos, além de trocas de ofensas durante a ceia de Natal ou abraços falsos no Ano Novo. Sua voz sai mais grossa e alta que o normal quando grita, irritado :
"Se você me acha tão demente, por que diabos me ajudou?"
Helena encara o chão por um tempo, como se estivesse pensando. Então, olha para o garoto e responde :
"Tudo pela família, eu acho."
A resposta dói mais em Marcelo do que os socos e chutes que levou. Não é como se a garota tivesse respondido por maldade, mas suas palavras queimam a garganta de seu primo com culpa. Não era tudo pela família, quando o moreno bateu a porta gritando sobre como ele odiava todos eles há dois Natais. Também não era tudo sobre família quando o garoto ignorava as perguntas de seus amigos sobre suas primas, nem quando sua amiga Lílian perguntou sobre sua prima mais nova ( elas haviam se conhecido em uma floricultura ou algo do tipo, Marcelo não prestava muito atenção quando a ruiva falava ) e ele respondeu que não queria saber nada daquela vaca. Agora, a questão era : como elas poderiam ser tão leais à ele quando o garoto não queria nada delas?
Talvez sua cabeça estivesse meio alterada por causa dos socos, mas Marcelo não se arrepende quando puxa a mais velha para um abraço apertado. Não era mais sobre brigas idiotas ou histórias do passado, era sobre sangue. Era sobre o sangue que passava pelas suas veias que o tornava tão igual aos que mais queria se diferenciar. Sua família, aqueles que o amavam, aqueles que seriam leais à ele não importava o que acontecesse. E por mais que doesse admitir, Marcelo amava cada um que tinha o mesmo sangue que ele. Lágrimas escorrem pelo seu rosto e o sangue de seu nariz manchava a regata cinza da garota, mas o moreno não solta do abraço. Ele sente mãos geladas em suas costas e sabe que a loira se juntava a eles, sabendo o significado do gesto. 
"Desculpa", a voz do garoto era fraca e trêmula, "por tudo". Ele pensa sobre todas as vezes que foi idiota :  desde quando puxava o cabelo de sua outra prima, Vanessa, até as vezes que deixara Mariana sozinha para beber e dar em cima de outras garotas. Mas seu maior arrependimento era a razão de todos os anos sem falar com a morena e a loira que envolvia no abraço : Marcelo havia contado de Theo para os pais de Helena. Não foi por mal, já que o moreno podia jurar que Theo era traficante ou algo do tipo, mas a confusão toda foi a razão da mais velha ter saído de casa e só voltado a falar com seus pais lá pelo meio da faculdade. Agora, Theo estava na cadeia e seus tios já aceitavam a garota normalmente, mas na época, a família toda se dividiu. Seu irmão, Arthur, não falava mais com a morena e sua prima mais nova, Larissa, não olhava mais na cara do garoto. A única imparcial era Vanessa, que muitas vezes servia de mensageira dos pares. O tempo passou e a paz instalou-se novamente, mas a relação de Marcelo com a loira e a morena não era mais a mesma, e criava um clima pesado na mesa de Natal. 
"Tá tudo bem" ele sente a mais velha respirando em seu pescoço. Seus cabelos negros eram tão bagunçados quanto os do moreno e seus cachos caíam sobre os ombros da loira que abraçava os dois. Helena não era do tipo que dizia "eu te amo" com frequência, mas a alteração em sua voz quando dizia algumas frases indicava exatamente o que significavam. Eram os pequenos gestos, como quando dividia cigarros com o garoto ou quando os dois se escondiam no carro de seu pai para beber no Ano Novo, que faziam Marcelo ter certeza de que era amado pela morena. A respiração dos três estava quase em sincronia quando a loira interrompeu : 
"Eu só queria saber", dizia ajeitando suas roupas, "como você conseguiu deixar o Breno bravo."
Marcelo riu.
"É uma longa história."

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Esse texto é parte da série Prefixos. Para ler os outros, clique aqui


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