(Im)possíveis

21:35



Larissa Martins ensaiava o pas de deux sem sua segunda parte. No estúdio de sua tia, onde adquiriu paixão pela dança, seu suor escorria pela testa e seu rosto estava quase tão vermelho quanto as estúpidas rosas que ganhou de Lúcio, seu noivo, no dia anterior. Tais flores foram a razão de um breve argumento com sua irmã mais velha, Helena, já que esta não conseguia entender o problema com elas. E por mais que a loira explicasse seu ódio mortal por rosas e como ela já tinha falado disso milhões e milhões de vezes pra qualquer um que quisesse ouvir, a mais velha a ignorava e respondia mensagens sobre uma festa que aconteceria naquele dia, mais tarde, deitada em um banco extenso de madeira ao lado de sua outra irmã.
Não eram as rosas e Larissa sabia disso. O problema era saber que com quase dois anos juntos e um noivado, Lúcio ainda não sabia nada sobre ela, nem suas flores favoritas (eram narcisos e lírios e estavam na header do seu twitter, poxa)  , muito menos as flores que odiava tanto. Então, a loira descarrega sua raiva ensaiando fouettés. Por mais que ficasse bem melhor de branco, Larissa era o cisne negro da versão local de Lago Dos Cisnes em 4 meses, e essa era a razão principal por ter voltado para sua cidade natal e estar dividindo um apartamento no centro com seu futuro marido. A bailarina trancou sua faculdade de moda para o casamento, que ocorreria em 5 meses, e se mudou para tão perto da casa dos pais que era impossível escapar as comemorações de fim de ano. Como se não bastasse o drama do Natal com sua irmã do meio, Vanessa, que foi o bastante para a deixar em um estado de nervos, o momento mais importante de sua vida aconteceria na frente da cidade inteira. Esse momento contava com 32 fouettés e Larissa parava depois de sua vigésima primeira. Tentou mais uma vez e atingiu 26, parando ao ouvir uma voz masculina na porta.
"Precisamos conversar."
Com cabelos loiros em um coque, camisa social e paletó pendurado no ombro, Lúcio encarava a loira, que lançou um olhar rápido para suas irmãs, mandando-as para fora da sala. Por um minuto, as imagens passavam pela cabeça da bailarina aceleradamente, seu peito subindo e descendo bruscamente com sua respiração e sua cabeça girando por causa das piruetas. Precisava ser agora, por mais que a loira não quisesse estragar um lugar tão importante pra sua infância. Larissa estava prestes a acabar seu noivado com o herdeiro de uma respeitável empresa de advocacia, mesmo sabendo que ele era o marido perfeito pra ela. Tão perfeito que chegava a incomodar. Depois de passar uma vida inteira regrada pela perfeição, tudo o que a garota menos queria era passar a vida ao lado de alguém tão controladinho e perfeitinho. Ela queria a liberdade, o descontrole, algo que a faça esquecer de coques apertados e notas perfeitas.
Foram em cabelos ruivos e fogo no olhar que Larissa encontrou a liberdade. Lílian, vendedora na floricultura que a loira tinha ido fazer o orçamento das flores de seu casamento, era a dona de olhos verdes que lembravam grama fresca e perfume com cheiro de verão. E por mais que a matasse de culpa por dentro, a loira se aventurava em beijos descontrolados e toques ansiosos, e se arriscava ao traçar constelações nas sardas das costas da ruiva, deitada na cama que dividia com seu futuro marido. Era errado, muito errado, mas tão errado que parecia tão certo. Por isso e mil outras razões, a bailarina, agora sentada no chão do estúdio, interrompia Lúcio em seu discurso sobre orçamentos do casamento :
"Eu não posso me casar com você, Lu."
E ela não podia mesmo. Porque com tantos problemas e tantas pessoas no mundo, o que era certo parecia errado e o que era errado parecia certo. Ah, e quantos casamentos sem amor existiam no mundo, o de seus tios, por exemplo : uma união que parecia tão certa, ambos filhos mais novos de famílias respeitáveis, agora brigavam todos os dias, sobre a quantidade de açúcar no café ou o futuro de seu filho mais velho. E Lílian, e o amor e como as coisas não eram sempre do jeito que ela queria, e a culpa a matava por dentro, mas não era certo, não era o que queria. Ela não queria se casar, não com ele, não agora e doía tanto. Parecia tudo tão organizado na mente de Larissa, mas quando esses pensamentos saíam tão confusos em formas de palavras, seu nariz escorrendo e sua voz aguda atingindo um tom que chegava a doer o ouvido, a loira apenas tira seu anel de noivado e entrega nas mãos do homem, tentando não olhar para seu rosto. Dói mais ainda quando ele levanta e sai da sala, sem falar nada.
E é por isso que Larissa vai parar em uma festa da vizinhança com sua irmã mais velha e bebe tanto, o suficiente pra esquecer por dois segundos esse dia que deveria ser tão animado, a véspera da véspera do ano novo. O dia que ela terminou com um noivado perfeito por uma garota que nem atendia o telefone. É tudo um borrão : ela só lembra de ver sua irmã revirar os olhos para seus relatos do dia e seus problemas com Lili e acordar em um parquinho, com o despertador a lembrando de tentar ligar para a ruiva mais uma vez. O que não acontece, já que Lari só quer ir pra casa, tirar suas roupas com cheiro de vômito que já estavam a deixando enjoada de novo e dormir por no mínimo 10 horas. Mas três horas depois, limpa e deitada no quarto com suas irmãs, a garota só consegue pensar em olhos verdes e cabelos de fogo.
"Tentei falar contigo mais cedo, mas você não atendeu" é a primeira frase que escapa seus lábios quando a ruiva atende o telefone. Dedos nos cabelos, andando de um lado para o outro no corredor, passando em frente ao quarto que seus primos compartilhavam esse feriado, a loira gasta seus créditos conversando por quase meia hora, esquecendo-se de dormir. É quando a voz de Lili atinge um tom mais triste que a bailarina para em frente a janela e pergunta o que houve. "Nada... Só fico triste de não poder te ver no último dia do ano." é a resposta, e Larissa consegue imaginá-la deitada na poltrona da sala, com seu gato e um livro no colo, sua boca em um beicinho. Rindo com o pensamento, fala :
"Nada é impossível, Lils."
Quase dez horas depois, com a cabeça de seu primo mais novo em seu colo, Larissa ouve a campainha. Tio Osório deve ter esquecido a chave, pensa, e manda seu outro primo atender a porta. O garoto ri, cabelos rebeldes em seu rosto, ignorando totalmente a ordem da loira. Ele até que parece a Lena mais nova pensa enquanto calça o chinelo e vai em direção a porta, só que com cabelo castanho. Até que era verdade : os cachos e o jeito rebelde caracterizavam uma versão masculina e mais nova de Helena. Já o irmão do garoto, com cabelos curtos, lisos, pretos e olhos dóceis, era o que mais se destacava mais da família depois da loira, já que seu irmão, Helena e Vanessa se pareciam muito. A campainha toca mais uma vez e Larissa abre a porta. Era Lílian, com um buquê de narcisos nas mãos.
"Você estava certa. Nada é impossível, Lari."

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Esse texto é parte da série Prefixos. Para ler os outros, clique aqui

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