(Re)encontros

21:29


Vanessa Martins estava inquieta. Sua respiração estava mais forte, suas pernas tremiam e os pelos de seu braço estavam arrepiados. Encontrava-se sozinha na esquina da rua de sua antiga casa, cenário de todas suas aventuras de infância e juventude, e observava a pessoa que pensava que nunca mais viria, ou pelo menos desejava. Escondida atrás das árvores, estreitava os olhos para ver cada movimento do tal indivíduo, como um caçador olhando pra sua caça. Uma pequena inversão de papéis, já que a caça costumava ser ela.
Estava de visita na casa dos seus pais, para um evento de família. Fim de ano era sempre a mesma coisa, ela sentava na mesa com suas irmãs e primos e ouvia os adultos falarem sobre problemas como impostos e desemprego só para acabar a noite com uma discussão pois algum parente bêbado falou sobre como o casamento dos seus tios estava destruído ou como sua irmã mais nova claramente não era filha de seu pai mesmo depois de um teste de DNA. Problemas de família, pensava, todas são a mesma coisa, não? Então quando saiu de casa fugia desses eventos sempre que podia : eram viagens e mais viagens que, "por acaso", caíam exatamente na época das festas. 
Mas dessa vez, não teve jeito. Todos os seus amigos estavam com a família e seu voo para Dubai saía exatamente no mesmo dia que seu primo mais novo viajava para o Japão, então foi uma decisão familiar de adiantar as festas para poder contar com a presença de ambos. Foi assim que o destino a colocou sentada na sala de jantar, respondendo todas as perguntas sobre suas viagens pelo mundo e aguentando o olhar crítico de suas irmãs por ter abandonado a faculdade no penúltimo período. Sua tia a perguntava sobre os namoradinhos que nem existiam, seu padrinho falava sobre o casamento de sua filha mais velha e como Vanessa precisava casar logo já que "a beleza não é eterna" e seu primo mais velho estava bebendo e começava a opinar demais sobre a vida dos outros. Mas foi só depois da mais nova de suas irmãs pegar uma de suas madeixas escuras e perguntar "por que você é tão desleixada com seu cabelo?" que sua cabeça começou a doer e um impulso a levantou repentinamente, falando que ia rapidamente ao banheiro, mas acabou a levando para a porta dos fundos, fugir e caminhar no frio pelo condomínio.
Do outro lado da rua estava seu ex-namorado de adolescência, Vinícius. Eles costumavam faltar aula para fumar escondidos e seus pais achavam que o garoto era a causa de sua "fase rebelde" que era nada mais, nada menos que aquele momento punk-rock que todos passam. Atrás das árvores, mesmo com visão limitada, parecia que ele já não tinha mais os piercings e seu cabelo era castanho-claro, não mais uma mistura de tintas azuis e pretas compradas na farmácia com dinheiro dos pais. Vinícius carregava algumas caixas para um carro velho na frente de sua casa quando seu olhar encontrou o da morena. Merda, ela se jogou no chão, como uma tentativa de esconder-se do antigo amor, mas seus passos já estavam mais próximos e não dava mais tempo de fugir.
"Achei que nunca mais fosse te encontrar."
Também achei, na verdade, desejei isso no meu aniversário de 17 anos depois que você pirou e bateu no meu namorado já que não conseguiu superar nosso término, Vanessa pensou, mas não disse. Colocou um sorriso falso no rosto e o abraçou tentando esconder a cara de nojo e raiva. "Eu te conheço" ele disse, "quer beber e me contar o que aconteceu ou você ainda me odeia tanto?". Ela não o odiava. Pelo contrário, a maior parte de suas memórias mais divertidas foram com ele. Desde simples saídas para tomar sorvete até seu primeiro porre. Foi um relacionamento ótimo, no geral. Até ela se cansar dele, terminar e arrumar outro pouco tempo depois. Era ele quem deveria guardar mágoas, mas o papel de vítima virou dela quando o punho do garoto atingiu o rosto do Sr. Perfeitinho, como ele gostava de chamar o estudante nota 10 que roubou o seu lugar no coração da garota. Vanessa odiou Vinícius por anos, até se mudar e viajar para diversos lugares e perceber que existem coisas bem mais importantes que antigos amores adolescentes. Na verdade, ela tinha algo a agradecer pelo namoro : ele a ensinou a tomar café, numa família que só bebia chá. Isso a levou para as melhores cafeterias de Paris e todos os Starbucks das esquinas de New York. Foi como forma de agradecimento que os dois acabaram sentados nos fundos da casa dos pais de Vinícius, enquanto a morena respondia perguntas sobre o presente e o passado, dúvidas que o garoto tinha e updates sobre sua vida atual.
"Sua irmã mais nova é loira mesmo? Tipo, real?"
"Sim."
"E ela é mesmo filha do mesmo pai que você?"
"É."
"Certeza?"
"DNA e tudo."
"Caramba."
"Por que te surpreende tanto?"
"Olha, seus pai e sua irmã tem cabelo preto. Sua mãe e você tem cabelo castanho. Por que diabos a caçula da família teria cabelo loiro claríssimo? Vai ver sua mãe tava entediada com o casamento e deci...Ai!"
Ela socou o braço do garoto e os dois riram. Riram com vontade, com saudade, com memórias e histórias inesquecíveis. E assim ficaram, por minutos ou horas, já que nenhum deles se importou em olhar o relógio. Ela falava sobre os lugares maravilhosos que conheceu e ele falava de como foi fazer faculdade de Direito e como isso surpreendeu seus pais já que eles achavam que o filho era "um gótico sem futuro" e que "nunca entraria em uma carreira de respeito". Foi ali, nos fundos de uma casa de família, com a visão do céu estrelado, no dia mais frio do verão, que lábios se tocaram em meio de risadas. Uma conexão relembrada por meio de um beijo lento e intenso, sem a rebeldia de antes. As mãos dele percorriam cabelos longos e escuros e seguravam a parte de trás do pescoço da garota que um dia já foi o amor de sua vida, a razão de sua maior dor e a pessoa que ele achava que nunca mais veria. Já as mãos dela seguravam o rosto de seu antigo porto seguro, dedos levemente acariciando os ossos de sua bochecha e traçando o caminho até seu peito, sentindo seu coração que batia aceleradamente. O momento parecia ser eterno : só os dois, retomando antigos costumes, relembrando uma antiga paixão, se afogando em memórias intensas até que a luz forte de duas lanternas de celular apontou para a árvore do outro lado da rua, lugar do antigo esconderijo da garota.
"Nessa!"
Foi como despertar de um sonho, as bocas se desconectaram e eles voltaram a perceber o mundo em sua volta. Vanessa levantou rápido, lançando para Vinícius um olhar de "preciso ir" que ambos conheciam muito bem. Ela saiu dos fundos da casa, indo para a rua do condomínio, de encontro com 4 jovens que iluminavam as árvores com seus celulares. "É isso, ela sumiu" os fios loiros e a voz aguda e desesperada se destacavam entre o silêncio das madeixas pretas do resto da família, "ela desistiu da gente, e é tudo minha culpa! Eu falei do cabelo dela, mas não sabia que ia magoá-la, ok?".  O desespero da mais nova foi cortado pela voz entediada da mais velha, "ela não desistiu da gente, idiota. Relaxa." acendeu um cigarro. 
"Ei, você não falou que tinha parado de fumar?"
Era o mais novo da família, primo de Vanessa. O garoto era educado e doce, mas falava as coisas erradas na hora errada. Levou um tapa na parte de trás da cabeça pelo seu irmão mais velho e virou para encontrar os olhos da morena. Suspiros de alívio e desculpas foram trocadas, por mais que a garota não saiba a razão delas. Andando para casa, ouviu o barulho de passos rápidos de tênis surrados contra o asfalto. 
"Ei, Vanessa!"
Era ele.
"Que tal um cafézinho amanhã?"

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Esse texto é parte da série Prefixos, para ler os outros, clique aqui

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